O Poder da Gentileza
Noeval de Quadros
Nestes tempos de muita preocupação consigo mesmo, e de pouco tempo para o
outro, de tempos "sem-tempo", quero chamar a atenção para uma
virtude que anda meio esquecida: a gentileza.
Gentileza que não quer dizer fraqueza, nem é virtude só para
mulheres.
Gentileza que significa cortesia, amabilidade, fidalguia, bom
tratamento.
Tem um poder muito grande e tem relação direta com a inteligência bem
como denota elevação moral.
Muitos se desculpam dizendo "não tenho tempo para estas coisas".
Porém, sempre é tempo para uma palavra de amizade, para um telefonema
cordial, para um sorriso de afeto, dirigido mesmo àqueles que parecem
endurecidos e impermeáveis às boas maneiras.
A gentileza depende do hábito. Comece hoje a cultivá-la. Há
muitas maneiras de adquirir esse hábito mas precisa ter disciplina e força
de vontade.
Pode-se ser gentil com os superiores, mas é muito mais difícil ser gentil
com os subalternos ou com os familiares e amigos próximos, justamente
aqueles com quem acabamos desdenhando as regras da conduta sadia.
Pode-se ser gentil no trânsito, com os transeuntes, em casa, no trabalho, em
todos os lugares.
Cada vez é mais raro ver-se, por exemplo, uma pessoa que dê lugar a outra,
dentro de um ônibus lotado. Ou numa fila. Não falo aqui de
obedecer a sua vez na fila, mas de dar a vez para outra pessoa que pareça mais
aflita ou necessitada. Pelo contrário: quando podem, as pessoas `furam' a fila,
quase sempre invocando um título ou uma posição social que os outros não têm.
Cada vez é mais raro ver as pessoas ajudando outras a carregar sacolas,
a levantar objetos caídos, a ajudar um idoso a atravessar a rua, ou a empurrar
um carro que não pega.
As pessoas alegam que não têm tempo, mas na verdade o tempo é a gente que
fabrica. Quantos passam horas à frente dos tele-jornais e das novelas e
alegam não ter tempo para agradecer uma carta, um e-mail, um convite ou
um favor recebido.
Outro cuidado que a gente não tem: quando precisamos fazer um telefonema, não
cogitamos se estamos a incomodar o outro na hora em que ele pode estar mais
ocupado. É importante que não façamos ligações em horas tardias, nem
tomemos o tempo por mais de dois minutos, em assuntos triviais.
Quando esses pequenos gestos de fraternidade e reconhecimento vão
sendo esquecidos, a pessoa vai ficando fria e áspera, acreditando que
todos devem ser gentis para com ela, mas esquecendo que esse dever é recíproco
e que devemos ser aquele que dá o primeiro passo.
Quantas vezes, no trânsito, não esperamos o pedestre terminar de atravessar
a rua, buzinamos impacientemente, não damos a vez ao que está
pretendendo entrar numa via preferencial, nem damos carona à mulher grávida
ou ao ancião.
"Muito obrigado", "por favor", "está ótimo o seu
café", "bom dia", "boa tarde", "desculpe", são
expressões que estão se ouvindo cada vez menos.
Nosso teste permanente é com os familiares. No tom de voz, no tempo que lhes
damos, nas pequenas atitudes para com o cônjuge, seja oferecendo-se um dia para
enxugar a louça, para passar o aspirador, ou surpreendê-lo com um café na
cama.
Nosso exemplo é seguido pelos filhos. Não podemos chamar-lhes a atenção
por tratar rispidamente a empregada se nós próprios não os ensinamos, pelo
exemplo, a respeitar e a pedir "por favor' mesmo àqueles a quem pagamos
para trabalhar para nós.
Na rua, outra maneira de demonstrarmos nossa civilidade é a forma como
tratamos o pedinte. Mesmo que não possamos lhe dar nada, o importante é tratá-lo
como ser humano, sem diminuir-lhe ainda mais a sua dignidade. Se não pudermos
orientá-lo ou ajudá-lo, pelo menos vamos vibrar positivamente, em silêncio,
certos de que o nosso pensamento poderá suavizar o seu padecimento.
Já não se fala do respeito aos animais ou à Natureza que apenas o ser mais
evoluído espiritualmente consagra na forma devida.
A gentileza tem um pouco de renúncia e muito a ver com a generosidade,
e esta é irmã da caridade, por isso que quanto mais elevada a pessoa, mais
gentil ela é. Aliás, segundo Joana, o culto à gentileza é uma preparação
para a transferência às Colônias Espirituais, onde teremos residência
e onde o respeito e a cordialidade preponderam nos círculos de Espíritos mais
conscientes ("Celeiro de Bençãos", cap.53).
Por isso, o Espírito Meimei diz que "o primeiro degrau do Paraíso
chama-se gentileza" .
Virtude que pertence à família do AMOR, é também a chave que abre
as portas do sucesso, porque não há coração mais empedernido que a
gentileza não consiga desarmar, nem situação mais desfavorável que não
consiga reverter. Por isso dizer-se que a pessoa gentil usa da inteligência,
por isso que é mais bem sucedida, sempre, ainda que não deva usar a gentileza
com essa intenção oculta.
A pessoa gentil tem paciência no ouvir as pessoas, mesmo aquelas cuja
conversa parece não trazer nada de útil. Segundo Chico Xavier, às vezes é
preciso peneirar muito cascalho para se obter uma grama de ouro. Mas em toda
conversa sempre há alguma coisa que se aproveite...
Por isso, o sinal de inteligência: a pessoa que ouve, aumenta o número dos
seus conhecimentos. Só por aí já se vê quanto ganho temos por ouvir mais...
Engana-se quem pensa que a gentileza é própria da mulher. Os espíritos
precisam progredir em tudo e por isso a afabilidade e a gentileza têm vez em
qualquer pessoa e em qualquer lugar, demonstrando o longo caminho já percorrido
pelo Espírito.
Um exemplo grandioso de gentileza vemos em Chico Xavier. Ele, com sua
infinita paciência e humildade, sempre atendendo a todos, sem jamais demonstrar
contrariedade ou cansaço, é o apóstolo da caridade. Sufocando a dor de
angina, que às vezes se torna insuportável, Chico já passou dos 90 janeiros,
sempre com uma palavra gentil e consoladora, para balsamizar os corações
doridos que o procuram.
E quando a pessoa adquire o hábito da gentileza, esse proceder se torna uma segunda
natureza. Ela assim age porque se sente bem. Não o faz para se sentir
virtuosa ou para que os outros a admirem, até porque `a virtude desconhece a si
mesma' e, segundo o Padre Vieira, "o prêmio das boas ações é praticá-las".
A pessoa gentil só tem um "defeito": é difícil a gente se
aproximar dela, porque está sempre rodeada de muitas pessoas, que
procuram se beneficiar desse seu halo de grandiosidade e nobreza.
Ainda que você não acredite em tudo o que pode a gentileza, ainda
que ache que tudo isso é exagero, se você for gentil, estará se presenteando
a si mesmo, porque tornará sua vida bem mais prazeirosa. E viver de bem
com a gente mesmo já é um grande passo para viver de bem com toda a
Humanidade.
(Jornal Mundo Espírita de Novembro de 2000)
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